segunda-feira, 18 de junho de 2007

O cão que morde o homem

O cão que morde o homem Bernardino Guimarães, Ambientalista Fica desmentida a velha anedota - notícia não é apenas quando o homem morde o cão. A inversa tem sido verdadeira ultimamente, muitas vezes, demasiadas vezes. A realidade, mais estranha que a ficção, parece querer habituar-nos ao que não pode ser habitual. Uma sociedade tendencialmente mais violenta, cheia de tensões, gera fenómenos bem estranhos e desagradáveis. O uso de cães perigosos como arma pronta a espoletar violências, ameaçando em primeira linha os mais fracos e desprevenidos, não pode nem deve ser tolerado. As tragédias que têm ocorrido, que nos chocam e deixam perplexos, são reveladoras da perversidade e do erro que configura uma boa parte da relação homem/animal, muito para além destes incidentes. Num país onde maus-tratos, abandono sistemático e impune dos que foram "companheiros" por algum tempo, exibição degradante em circos e outros espectáculos, uso de venenos nos campos são o pão nosso de cada dia, talvez seja de esperar que o treino (ou destreino) para a violência e a agressão faça parte dos hábitos de alguns cidadãos, que querem ver nos seus mastins uma máquina de guerra ao serviço sabe-se lá de que ódios e frustrações pessoais. Esse gosto por animais induzidos à demonstração de força e ao exercício da hostilidade só pode levar a consequências lamentáveis. O que revela mais da natureza de certas pessoas do que das características dos cães. Alguma coisa está dramaticamente errada, portanto. Claro que é preciso cumprir a lei que obriga ao registo e controlo de exemplares de algumas raças. Mas como se viu agora, cães que não fazem parte desse índex de raças perigosas podem revelar-se igualmente letais. Abandonados à sua sorte, tratados com violência e isentados de quaisquer cuidados efectivos no seu adestramento, é claro que podem vir a manifestar tendência para a agressividade cega. Se é discutível o critério que classifica as tais estirpes caninas propensas ao ataque - sem se ignorar que raças há cujo processo de selecção aponta já para esse caminho funesto - não oferece dúvida a necessidade de responsabilização total dos donos e uma série de obrigações que devem ser rigorosamente cumpridas. O mesmo descuido que leva muitos donos de cães a descurarem os mínimos do civismo quando os passeiam nas ruas - é ver o estado dos passeios da cidade após a sua passagem - leva outros a um trágico e irresponsável "flirt" com o perigo - com o perigo que ameaça os outros, antes de tudo. Sem dúvida é demasiado fácil "culpar" e abater os animais que fizeram afinal aquilo para o qual foram "programados" pelos seus detentores, conscientemente ou não. A maneira como tratamos os animais diz muito sobre nós e sobre a sociedade em que vivemos. A crueldade feita rotina, a exibição em "zoos" e circos sem condições e sem respeito, a forma como são mantidos e transportados os animais destinados a consumo humano, as experimentações inúteis ou escusadas, os espectáculos degradantes têm na irresponsabilidade de quem cria e detém cães perigosos o reverso da mesma medalha. A mesma insensibilidade, idêntico desprezo pela vida. Da mesma forma, e com a mesma descuidada leviandade, se têm tratado os valores naturais, a fauna e flora silvestres, a paisagem e o território. Não será no fundo a mesma coisa, o mesmo mal, o mesmo tipo de erros a conduzir por vezes as acções, seja quanto à Natureza selvagem, aos animais que escolhemos para parceiros na vida doméstica e tantas vezes mesmo em relação aos nossos semelhantes? Realidade triste e perturbadora. Mais triste ainda será deixar que uma tal situação permaneça e que uma tal mentalidade predomine.

Sem comentários: